A nova abordagem aposta em reconstruir a árvore genealógica dos piolhos. Segundo Vincent S. Smith, taxonomista de parasitas do Museu de História Natural de Londres, essa árvore se estende tanto ao passado que o hospedeiro do primeiro piolho teria sido um dinossauro – provavelmente, um dos terópodes que foram ancestrais dos pássaros.
Smith e seus colegas reconstruíram a genealogia dos piolhos analisando DNA de espécies atuais, que parasitam pássaros e mamíferos. A maioria dos piolhos é “especializada”, com garras adaptadas à pele ou às penas de uma única espécie. A adaptação é tão precisa que, quando uma espécie hospedeira sofre uma evolução, seu piolho também se diversifica em novas espécies.
O piolho de cabelos humanos, por exemplo, evoluiu a partir do piolho de chimpanzé quando os ancestrais de humanos e chimpanzés se separaram cerca de 5 milhões de anos atrás. O piolho púbico humano, por outro lado, tem parentesco com o piolho de gorila, do qual divergiu há 13 milhões de anos.
As espécies de piolhos humanos, portanto, refletem as divisões na genealogia da evolução de macacos e humanos.
Da mesma forma, as espécies de piolhos de animais e pássaros atuais refletem as divisões em sua ancestralidade até o surgimento dos piolhos. Árvores genealógicas baseadas em DNA podem receber datas precisas em todos seus pontos de ramificação, desde que existam fósseis datáveis dos períodos corretos. Mas isso é muito difícil com piolhos, que não possuem quase nenhum fóssil conhecido. Smith teve sorte, pois dois piolhos fossilizados descobertos nos últimos anos – um com 44 milhões de anos, outro com 100 milhões de anos – forneceram as âncoras necessárias para a sua árvore.
Mamíferos, pássaros e dinossauros
A genealogia definida mostra que os piolhos iniciaram sua especiação bem antes do fim do período Cretáceo, segundo relato de Smith e colegas na edição atual de Biology Letters. A descoberta sugere que seus hospedeiros, tanto mamíferos quanto pássaros, também haviam começado a florescer e evoluir antes que o reino dos dinossauros terminasse.
A nova árvore incide sobre uma antiga disputa sobre o surgimento de pássaros e mamíferos. Uma escola sustenta que os dois grupos proliferaram no início do período Cretáceo, que começou há 145 milhões de anos, e que muitas linhagens sobreviveram à catástrofe que causou o fim dos dinossauros e do Cretáceo: a queda de um grande asteroide há 65 milhões de anos. A visão oposta afirma que mamíferos e pássaros não prosperaram ou se dividiram em diversas espécies diferentes até depois do desaparecimento dos dinossauros.
Infelizmente, a nova descoberta provavelmente não decidirá a questão. “Eu a colocaria como um novo registro para o debate”, disse Smith. “A filogenia dos piolhos acrescenta mais algumas peças a este quebra-cabeça. Ela indica que os piolhos são antigos, anteriores à passagem do Cretáceo ao Paleogênico, e tinham de parasitar algo”.
O assunto é controverso porque os registros fósseis sugerem que os mamíferos placentários não se expandiram, quanto ao número de espécies diferentes, até depois de 65 milhões de anos atrás. Um motivo plausível é que todos os dinossauros haviam morrido, exceto pela linha que evoluiu para os pássaros, e os mamíferos placentários sofreram especiação nos nichos ecológicos que haviam ficado desocupados.
Contudo, biólogos reconstruindo a genealogia evolutiva dos mamíferos a partir do DNA de espécies vivas chegaram a uma conclusão diferente. Seus dados do relógio molecular sugerem uma especiação muito anterior, talvez incitada pela divisão do antigo supercontinente de Gonduana, há cerca de 120 milhões de anos. Nessa visão, os mamíferos placentários evoluíram para espécies distintas antes da queda do asteroide, há 65 milhões de anos, e muitos teriam sobrevivido às mortes em massa que extinguiram os dinossauros.
Ramificação extinta
Michael Novacek, especialista em paleontologia de mamíferos do Museu Americano de História Natural, em Nova York, afirmou que a genealogia do piolho era muito interessante e mostra que esses seres já estavam se diversificando durante o período Cretáceo. Mesmo assim, o registro fóssil de mamíferos placentários é confiável – e não registra nenhuma especiação até bem mais tarde. “Os fósseis continuam mostrando que a origem dos mamíferos modernos ocorreu após – ou durante – a divisão Cretáceo-Paleogênico”, disse ele. “Assim, a contradição entre fósseis e relógios moleculares permanece”.
Em sua opinião, os hospedeiros nos quais os piolhos faziam sua especiação durante o Cretáceo poderiam pertencer a uma ramificação diferente da árvore genealógica dos mamíferos, na qual todas as espécies estão extintas.
Smith avaliou que Novacek estava certo em dizer que existiam mamíferos não-placentários no período Cretáceo, nos quais os piolhos indubitavelmente teriam se alimentado. Porém, esses mamíferos não-placentários – incluindo diversas linhagens de marsupiais – foram todos extintos, levando com eles seus parasitas. Esses piolhos não apareceriam em sua árvore genealógica, garantiu Smith, a menos que tivessem conseguido se transferir às espécies de mamíferos placentários – e a maioria dos piolhos não costuma trocar de hospedeiro.
Smith acredita que os piolhos infestaram os pássaros antes dos mamíferos, em parte porque esses insetos são muito comuns em pássaros. Praticamente todas as famílias de aves possuem piolhos; um pássaro em particular, o macuco-do-pantanal, abriga 18 espécies diferentes de piolhos, talvez por possuir diversos tipos de penas, cada uma oferecendo um nicho específico.
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