Os pterossauros conviveram com as aves, mas eram muito maiores. Se o menor fóssil de pterossauro tinha o tamanho de um corvo, a imensa maioria deles foi maior, bem maior. Foram os maiores animais que já voaram. A bacia no Araripe, no nordeste, era o fundo de um grande lago entre 110 e 90 milhões de anos atrás. Lá foram encontradas diversas espécies de pterossauros, com envergadura de asas que variava de 3 até 6 metros. O maior de todos os pterossauros é europeu. Batizado de Hatzegopteryx thambema, foi achado em 2002, na Romênia. Com um crânio de 3 metros e envergadura de asas de 16 metros, era bem maior que um caça F-16, cuja envergadura é 9,5 metros (para termos de comparação, a maior ave voadora existente é o condor, com 3 metros de envergadura). Daí surge imediatamente a pergunta? Como animais tão grandes conseguiam voar?
O problema da aerodinâmica dos pterossauros surgiu com a descoberta dos seus primeiros fósseis. Em 1801, o naturalista francês Georges Cuvier (1769-1832) cunhou o nome pterodátilo, do grego "dedo com asas", para descrever o estranho fóssil de um réptil dotado de um dedo extremamente longo nas garras dianteiras. O dedo era muito cumprido para sustentar uma asa, que o processo de fossilização não preservou. Desde Cuvier, especula-se do que era feita a asa dos pterossauros. Será que era uma fina membrana de pele, como no caso dos morcegos? Seria coberta por penas, como nos pássaros? Nas últimas décadas, à medida que melhorou a tecnologia à disposição dos paleontólogos, e foram escavados fósseis em excelente estado de preservação – exibindo, além do esqueleto, sinais dos tecidos moles do organismo –, respostas começaram a surgir.
As penas foram descartadas. As asas dos pterossauros eram feitas de membranas, em outras palavras, de tecido muscular coberto por couro. O que mais? Uma das maiores contribuições para saber como eram as asas dos pterossauros acaba de ser fornecida por um grupo de paleontólogos chineses – liderados por um brasileiro! É isso mesmo, um carioca com um pomposo nome germânico: Alexander Wilhelm Armin Kellner. Ou, encurtando, Alexander Kellner. Ou simplesmente Alex. Pesquisador do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aos 49 anos, Alex é um dos maiores especialistas mundiais em pterossauros. Especialista é pouco. Ele é doido pelos bichos desde moleque, quando começou a estudar seus fósseis com o mentor, o paleontólogo Diógenes de Almeida Campos. Depois de passar 15 anos descrevendo, ao lado de Diógenes, vários espécimes do Araripe, Alex foi estudar pterossauros na atual Meca da paleontologia, a China.
Uma vez lá, Alex ficou impressionado com um fóssil em particular, o Jeholopterus ningchengensis. Ele tem envergadura de cerca de um metro e viveu há mais de 130 milhões de anos no nordeste da China, que era uma região de lagos, como o Araripe brasileiro. Quando aquele pterossauro de nome impronunciável (nem tente ler Jeholopterus em voz alta – eu já desisti) morreu, ele caiu na água e afundou. Seu cadáver foi rapidamente coberto por sedimentos, preservando-o maravilhosamente. Ele foi descoberto, em 2002, pelo paleontólogo Xialin Wang, do Instituto de Paleontologia e Paleoantropologia de Vertebrados, em Pequim. Ao estudá-lo, Wang achou que o animal fosse coberto por pelos ou coisa parecida. Em 1971, os soviéticos acharam no Cazaquistão um pequeno pterossauro (45 centímetros) com "pelos" (ou coisa parecida), o Sardes pilosus. O problema é que pelos são exclusividade dos mamíferos, assim como penas são exclusivas das aves – e dos seus parentes extintos, os dinossauros bípedes como os vorazes velociraptores, os astros de O Parque dos Dinossauros (1993). Os demais dinossauros, por serem répteis, podem ter sido cobertos por escamas.
Em Pequim, Alex decidiu testar todas as hipóteses para descobrir, afinal, do que eram feitos os "pelos" do Jeholopterus. Com a ajuda do alemão Helmut Tischlinger, especialista na análise de fósseis com o uso de luz ultravioleta, Kellner enxergou várias coisas que ninguém tinha percebido antes. Em primeiro lugar, a membrana das asas é formada por pelo menos três camadas de tecido. Ela é muito mais complexa do que sempre se pensou. Não é uma película fina como a do morcego – nem poderia, pois para sustentar o voo de um animal tão grande como o pterossauro, a asa teria necessariamente que ser bem mais espessa. O estudo está nas páginas do prestigioso Proceedings of the Royal Society of London B, em sua edição de 5 de agosto.
"A membrana é formada por três camadas de fibras musculares diferentes, que ficavam embaixo do couro do bicho", disse Alex a ÉPOCA. Cobrindo o couro das asas, Alex afirma que aqueles "pelos" não eram pelos. Também não eram penas nem escamas. Então, o que seriam? "A resposta é: eu não sei. A gente só sabe que não são penas", diz Alex. "Também não são pelos, pois pterossauros e mamíferos são linhagens muito distantes". Achar um pterossauro com pelos seria o equivalente a encontrar um gambá emplumado. Só existe uma certeza sobre aquelas pequenas estruturas do corpo do Jeholopterus que Alex batizou "picno-fibras". Elas deviam ser feitas de queratina, a substância escolhida pela evolução para produzir escamas, penas, cabelos, garras e unhas.
"As picno-fibras não são encontradas em nenhuma espécie viva", diz Alex. "Sua existência deve guardar relação direta com a aerodinâmica do voo dos pterossauros. Estes animais deviam voar bem melhor do que a gente imagina". A visão que os paleontólogos têm do voo de um pterossauro remete ao voo a vela dos planadores, que pegam carona em correntes de ar quente para ascender em espiral às alturas, como fazem os urubus.
Será que todos os pterossauros eram cobertos por picno-fibras ou apenas aquela espécie chinesa? "Acho que sim. As picno-fibras eram exclusivas dos pterossauros", arrisca Alex. "Já vi o mesmo padrão reticulado em outros fósseis do Araripe e de outras regiões. Esta descoberta é prova do pouco que ainda sabemos sobre aqueles grande répteis misteriosos, que dominaram os céus do planeta por mais de 100 milhões de anos".
0 comentários:
Postar um comentário